ATA DA DÉCIMA QUARTA SESSÃO SOLENE DA QUARTA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA PRIMEIRA LEGISLATURA, EM 25.06.1996.

 

Aos vinte e cinco dias do mês de junho do ano de mil novecentos e noventa e seis reuniu-se, no Plenário Otávio Rocha do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre. Às dezessete horas e vinte e cinco minutos constatada a existência de “quorum”, o Senhor Presidente declarou abertos os trabalhos da presente Sessão destinada à entrega do Prêmio Literário “Érico Veríssimo” ao Mestre em Educação Rovílio Costa, nos termos do Requerimento nº 20/95 (Processo nº 1400/95) de autoria do Ver. Antonio Hohlfeldt. Compuseram a MESA: o Ver. Reginaldo Pujol, 2º Secretário desta Casa, o Frei Rovílio Costa, o Senhor Giovani Maroco, Cônsul Geral da Itália, o Irmão Elvo Clemente, Presidente do Conselho Estadual de Educação e representante da Pontifícia Universidade Católica, o Senhor Luís Augusto Fischer, Secretário Substituto da Secretaria Municipal de Cultura, representando o Senhor Prefeito Municipal neste Ato, o Senhor Itálico José Marcon, representante da Academia Rio-Grandense de Letras e o Coronel Irani Siqueira, representante do Comando Militar do Sul. Em prosseguimento, o Senhor Presidente convidou a todos para, em pé, assistirem à execução do Hino Nacional. Em continuidade, o Senhor Presidente concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. O Ver. Antonio Hohlfeldt, em nome das Bancadas do PSDB, PT, PDT, PTB, PMDB, PC do B, PPS E PPB, discorreu a respeito da importância da instituição do Prêmio Érico Veríssimo àqueles que se destacaram nas atividades ligadas à literatura geral, salientando as diversas contribuições trazidas pelo Homenageado nesta área. A seguir, o Senhor Presidente registrou, como Extensão de Mesa, as presenças do Senhor Ilse Barbieri, da Senhora Rosa Martíni, representante da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, da Senhora Elisabete Otero, representante da Associação de Docentes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, do Jornalista Mário Emílio de Menezes, representante da Associação Rio-Grandense de Imprensa, do Frei Vilson Dalagnol, representante da Ordem dos Capuchinhos, do Senhor Antonio Alberti, Diretor da Câmara do Comércio Italiana no Rio Grande do Sul, da Senhora Maria Antonieta Simão, representante da Secretaria Municipal de Educação, do Frei Achiles Chiappin, representante de Belém Novo, da Senhora Branca Tosque, representante do Centro Cultural de Veranópolis, da Senhora Nilza Huyer Ely, Coordenadora do Círculo de Estudo da História do Vale Três Forquilhas e do Senhor Carlo Bichieri, Presidente da Câmara de Comércio Italiana do Estado. Em continuidade, o Ver. Jocelin Azambuja, em nome da Bancada do PTB, saudou o Homenageado dizendo da importância das contribuições por ele trazidas às áreas cultural e educacional em nosso País, posto que estas se encontram relegadas a um plano secundário atualmente. Logo após, o Senhor Presidente registrou a presença da Professora Vera Regina Pires de Morais, Pró-Reitora de Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul informando também do recebimento de mais de 100 mensagens de cumprimento ao Mestre Rovílio Costa pela presente homenagem, oriundas de vários pontos do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Em continuidade, o Senhor Presidente convidou o Ver. Antonio Hohlfeldt para fazer a entrega do Pergaminho que confere o Prêmio Literário Érico Veríssimo ao Frei Rovílio Costa e, logo após, ofereceu ao Homenageado o livro “Porto Alegre à Beiro do Rio e em meu Coração”, editado em comemoração ao aniversário de dez anos da nova sede da Câmara Municipal. Em continuidade, o Senhor Presidente concedeu a palavra ao Homenageado que agradeceu a presente homenagem por parte desta Casa, discorrendo a respeito de sua trajetória citando alguns episódios importantes da história da nossa literatura. Às dezoito horas e trinta e três minutos, nada mais havendo a tratar o Senhor Presidente agradeceu à presença de todos e declarou encerrados os trabalhos, convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Solene que se realizará logo após, às dezenove horas. Os trabalhos foram presididos pelo Ver. Reginaldo Pujol e secretariados pelo Ver. Antonio Hohlfeldt como secretário “ad hoc”. Do que eu, Antonio Hohlfeldt, secretário “ad hoc”, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após distribuída em avulsos e aprovada, será assinada pelos Senhores Presidente e 1º Secretário.

 

 

 

O SR. PRESIDENTE (Reginaldo Pujol): Tenho a satisfação de abrir os trabalhos desta 14ª Sessão Solene da Câmara Municipal de Porto Alegre, que se destina a homenagear, com a entrega do Prêmio Literário “Érico Veríssimo”, o Mestre em Educação Rovílio Costa, conforme Requerimento do Ver. Antonio Hohlfeldt. Desejo, para compor a Mesa, convidar o Frei Rovílio Costa, nosso homenageado. Desejo, da mesma forma, convidar, com muita honra, o Exmo. Sr. Cônsul-Geral da Itália, Sr. Giovani Maroco; o Presidente do Conselho Estadual de Educação e representante da PUC, Ir. Élvio Clemente; o representante do Sr. Prefeito Municipal, Secretário Substituto da Cultura, Sr. Luís Augusto Fischer; o representante da Academia Rio-Grandense de Letras, Sr. Itálico José Marcon; o representante do Comando Militar do Sul, Cel. Irani Siqueira.

Nós temos hoje a satisfação de dirigir esta Sessão Solene, que tem como objeto a concessão do Prêmio Literário “Érico Veríssimo” ao Mestre em Educação Rovílio Costa.

Como primeiro ato desta Sessão Solene, convidamos a todos para ouvir o Hino Nacional.

 

(Procede-se à execução do Hino Nacional.)

 

Eu tenho a satisfação, na condição de Secretário da Mesa Diretora da Câmara de Vereadores, no impedimento temporário do Presidente da Casa, de presidir esta Sessão Solene. Esta circunstância me é muito gratificante. Eu tinha acertado com o Ver. Antonio Hohlfeldt, que é o mentor desta iniciativa de outorgar ao nosso homenageado o Prêmio “Érico Veríssimo”, que haveria de ser um dos oradores. Eu gostaria de apresentar a minha homenagem ao Sr. Rovílio Costa, e, sobretudo, a nossa visão como representante de uma grei partidária. Tínhamos, inclusive, a incumbência de fazê-lo também em nome de outra grei política, mas o colégio de Líderes da Câmara, por unanimidade, entendeu que, por razão de inteira justiça e considerando as afinidades que vinculam o homenageante ao homenageado, o orador oficial da Casa, único, em nome de todas as Bancadas e até para a conveniência de êxito da solenidade, devesse se concentrar na figura do Ver. Antonio Hohlfeldt. É nessa condição que eu passo a palavra ao Líder do PSDB, para que, em nome do Legislativo de Porto Alegre, faça a saudação ao Mestre Rovílio Costa.

Com a palavra o Ver. Antonio Hohlfeldt.

 

O SR. ANTONIO HOHLFELDT: Prezado companheiro Ver. Reginaldo Pujol na Presidência da Câmara Municipal; Prezadíssimo Dr. Giovani Maroco, Consul-Geral da Itália; Irmão Élvio Clemente, meu antigo professor do curso de Jornalismo da PUC, na representação do Conselho Estadual de Educação e da PUC; Prezado Luís Augusto Fischer, representando o Prefeito Tarso Genro, Secretário Substituto da SMC de Porto Alegre; querido Itálico Marcon, representante da ARI; prezado Irani Siqueira, representando o Comando-Geral do Sul; prezadíssimo Frei Rovílio Costa.

Muitas pessoas deveriam ser mencionadas na nossa saudação, porque cada uma que aqui está tem uma relação direta com o nosso homenageado.

Permitam-me, no entanto, através da Profa. Nina, que vem lá de Carlos Barbosa e que conheci, entre outras pessoas, através do Rovílio, representar todas as pessoas que vêm lá do interior, se deslocaram dos seus bairros e chegaram aqui no dia de hoje. A Nina ocupou uma Secretaria Municipal de Cultura do seu Município por três períodos sucessivos e tem como saldo um trabalho extraordinário de organização, não apenas de alfabetização na região, como, sobretudo, de difusão da cultura italiana, da retomada do orgulho de descendência, de identidade da nossa região italiana.

A Câmara de Vereadores de Porto Alegre, dentre as suas várias medidas políticas, adotou, ao longo das últimas décadas, uma que considero muito feliz: instituir prêmios, através de resoluções, àquelas pessoas naturais, ou não, de Porto Alegre que aqui se destacaram por atividades que marcaram culturalmente a Cidade. Temos, por exemplo, o Prêmio “Qorpo Santo”, nas atividades de artes cênicas. Temos o Prêmio “Érico Veríssimo” àqueles que se destacaram nas atividades ligadas ao livro e à literatura em geral. Essa nossa Resolução 725, de 22.10.79, leva o nome de Érico Veríssimo, e não poderia levar nenhum outro nome, porque, de fato, o Érico foi, e continua sendo, a nossa grande referência literária, em termos nacionais e internacionais, não só referência como autor, como também como o plasmador da figura mítica do gaúcho. Ainda que ele tivesse examinado essa figura do ponto de vista crítico, ele foi capaz de, simultaneamente, transformá-la, de fato, numa imagem viva que está presente no imaginário de todos os gaúchos, de todos os brasileiros, de todos os estrangeiros que algum dia tiveram contato com o Rio Grande do Sul. É este prêmio que, por uma proposição que tive a iniciativa de apresentar à Casa, concede-se, hoje, a Rovílio Costa, por decisão da unanimidade dos Vereadores desta Casa, e que se concretiza nesta Sessão.

Na formação do processo que se faz tramitar na Casa, nós devemos juntar uma série de documentos que justifiquem a homenagem. Tentei encontrar alguma menção à certidão de nascimento de Rovílio, ou à origem do Rovílio. De fato, não existe. Não existe por um motivo muito simples – espero que os pais, os irmãos do Rovílio não fiquem brabos: o Rovílio não nasceu, ele caiu do céu de repente, talvez como aquele anjo Malaquias, do Mário Quintana. Apareceu entre nós para que pudesse inspirar, auxiliar, puxar, às vezes empurrar, se necessário fosse, todo um conjunto de atividades no campo da cultura, da educação, da assistência social que se desenvolve em Porto Alegre, em todo o Rio Grande do Sul, e à essas alturas, também lá no Velho Continente. Não é por acaso que o Rovílio traz um nome italiano. Esta Itália de todo aquele conhecimento Renascentista, multifacético, literalmente universal. Não é por acaso que o Rovílio Costa traz um título de Mestre, um mestre, aquele professor ensinante de todos nós, nos vários campos em que ele tem atuado. Nós fizemos uma listagem, e é difícil não encontrar uma área onde o Rovílio Costa não meteu o bedelho. Jornalista, professor, editor, escritor, antropólogo, pesquisador, animador cultural. Certamente, a presença de todos vocês aqui tem um outro motivo que supera todos esses: é que acima, durante e sobretudo ele é o amigo de todos nós. É, portanto, ao amigo Rovílio Costa, sobretudo, que todos nós, hoje, homenageamos.

Eu conversava, outro dia, com o Prof. Sergius Gonzaga – muitos de vocês conhecem -, editor responsável, hoje, pelas publicações da Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ele me dizia: “É uma bela homenagem, porque não há alguém que não tenha passado pela mão de Rovílio”. Essa, certamente, é a melhor síntese que se poderia fazer do motivo da homenagem ao Frei Rovílio Costa. Quem foi aluno da Universidade, quem algum dia, começou a escrever alguma coisa que achava que era literatura encontrou no Rovílio não só um editor, como um leitor atento.

Quero referir um caso que todos vão lembrar: ele se chama Charles Kiefer. Veio da distante Três de Maio, lá da roça, lá da colônia, do Alto Uruguai. O Charles começou publicando duas ou três novelas, e só o Rovílio acreditava que poderia dar certo. Nem o Charles acreditava! Mas essas novelas ficaram, o Charles produziu outros textos e, hoje, nós temos um escritor que acumula prêmios nacionais e que, se não está presente aqui, neste momento, é, simplesmente, porque tem uma bolsa, mora nos Estados Unidos, dentro de uma universidade, com a oportunidade que é o sonho de todos nós que escrevemos, que é ser pago, ser sustentado para escrever e sonhar literatura. Isso se deve, certamente, a este homem que está aqui na frente e que se chama Rovílio Costa.

Quero lembrar um outro fato a todos vocês. Em 1974, quando estávamos comemorando as festas de imigração italiana e alemã, o Rovílio e um grupo de “tramoiantes” – esses que fazem tramóias – resolveram que estava na hora de ressuscitar jornais, ressuscitar coisas que se haviam perdido no tempo. Ocuparam o “Estafeta Rio-Grandense”, que se havia travestido de “Correio Rio-Grandense”, e passaram a publicar aquilo que, muito brevemente, se tornaria uma constante naquele jornal e que ainda hoje existe: a coluna onde se registram fatos, histórias, contos, pedaços da cultura dos imigrantes italianos de todas as áreas. Um dos coniventes, um dos criminosos que atuaram com ele está ali atrás, é o Prof. Manfroi; também o Prof. De Boni, entre outros tantos. O Rovílio tem essa coisa fantástica. Ele vai trazendo todo o mundo para o bloco, vai ampliando esse grupo. Não sei quantos milhares hoje são no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, mas essas iniciativas viraram moda. Rovílio e tantos mais conseguiram inventar uma língua escrita que não existia, inventaram uma maneira de grafar isso e registrar, e hoje são, senão milhares, chegando muito perto a isso, de obras publicadas no tal dialeto vêneto, que só existe aqui – nem os vênetos de lá conhecem.

Essas coisas são, realmente, milagres de alguém que acredita simplesmente no fazer. Quem já visitou o cantinho do Rovílio lá, no morro, a tal da editora da Escola Superior de Teologia, imensa, sabe: uma mesa, uma sala, uma secretária, um monte de papel e o Rovílio no meio daquilo tudo. É uma enorme editora que consegue fazer um livro dez vezes mais barato que qualquer outra editora, que consegue publicar mais de um milhão de títulos. Nesta altura, eu não sei mais em quantos o Rovílio anda porque cada vez chega um pacote de novos lançamentos. Não são dois, três. São cinco, seis, dez, doze livros.

O Rovílio Conseguiu inventar uma outra mania que tem sido fundamental para a história do Rio Grande: as monografias dos municípios. Começou com os municípios de tradição italiana. Hoje essa mania virou todo o Rio Grande do Sul, sobretudo depois dos últimos anos em que, através da Assembléia Legislativa, houve desmembramento de municípios-sedes, que se multiplicaram em dois, três municípios.

A primeira coisa, quando se chega em uma nova prefeitura, é perguntar quem é aquele padre de Porto Alegre que publica monografias das Prefeituras. Lá vai o nome do Rovílio, telefone, e alguém que vira autor; se não tem, o Rovílio inventa. É o “ghost writer”, mais conhecido do interior do Rio Grande do Sul. E arranja tempo até para rezar missa! É incrível, consegue isso com uma fidelidade absoluta!

É esse homem que se multiplica que nós estamos hoje homenageando. Eu queria dizer, como o Sergius Gonzaga, que, quando me ocorreu a idéia, conversando com outros amigos, de concretizar esta homenagem, que quer dizer apenas “obrigado” ao Rovílio, é por que eu, como tantos, quando comecei a publicar, tive no Rovílio esse apoio. Se não foi o meu primeiro livro “stricto sensu” que saiu pelas mãos do Rovílio Costa, foi o primeiro livro que de fato tinha cara de livro que saiu através da Universidade de Caxias do Sul junto com a Escola Superior de Teologia, que era Rovílio Costa.

Esta é uma maneira de eu, que eventualmente hoje sou Vereador da Cidade de Porto Alegre, em nome de tantos daqui, do Rio Grande do Sul, dizer ao Rovílio, e certamente através dele a tantos outros que também participam destas empreitadas, mas muito especialmente ao Rovílio, que não esquecemos isso. E que, certamente, muito depois da participação física do Frei Rovílio Costa no nosso Rio Grande, a cultura do Rio Grande do Sul e do Brasil vai continuar devendo a este homem. Literalmente, o Rovílio não precisa se preocupar com eternidade. Só nos mil livros e tantos mais que já publicou, ele já garantiu muito daquele purgatório, daquelas coisas intermediárias que a gente passa até chegar ao céu. Sobretudo garantiu, sim, a eternidade de sua participação em todo esse processo cultural de redescoberta que o Rio Grande do Sul tem vivido, felizmente, nas últimas duas décadas e meia.

É isto, Rovílio, espero que possamos estar traduzindo aqui. Acho que a presença de tanta gente nesta tarde fria atesta que não foi em vão que trabalhaste, mesmo que não estivesses esperando deste plantio uma grande colheita. Mas, como bom italiano que és, bom lavrador, foste multiplicando, misturando o trigo, o vinho, a terra. E o pão está aí, fermentando, crescendo, num processo, que como o Naneto Pipeta dizia, se não mata a fome ao menos empulha, deixa a gente inchado. Apenas para relembrar esta personagem fantástica que mais uma vez teve a mão do Rovílio na sua recolocação em andamento, porque, graças àquela famosa reedição que Frei Rovílio Costa conseguiu, a famosa capinha verde e amarela que todos vão lembrar, voltou esse livro incrível, síntese de toda a presença do italiano do Rio Grande do Sul. Há muitas coisas a dizer, mas apenas queria deixar, aqui, um obrigado ao Rovílio Costa e dizer que, certamente, não é ele que pode se orgulhar com esse pequeno e humilde prêmio da Câmara, mas é a Câmara que terá um orgulho enorme de poder colocar na galeria daqueles agraciados com o prêmio “Érico Veríssimo” o nome do Frei Rovílio Costa. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: A Câmara Municipal de Porto Alegre, no dia de hoje, recebe várias pessoas muito conceituadas no cenário sócio-cultural do Estado, que, por todos os méritos, deveriam, inclusive, estar constituindo esta Mesa Diretora dos trabalhos, que se tornou pequena, diante da afluência de tão gratas presenças. Queria registrar como extensão desta Mesa Diretora – pedindo às pessoas a quem vou-me referir agora que se considerem integradas à Mesa – algumas personalidades que, por todos os motivos, justificariam estar integrando o comando administrativo desta Sessão Solene.

Em primeiro plano, quero dar muita ênfase ao Sr. Ilse Vedovato Barbieri, amigo do Frei e que veio, especialmente, de São Paulo para esta homenagem; a Sra. Rosa Martíni, representante da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; por idêntico motivo e razão também a Sra. Elisabete Otero, representante da ADURGS; o jornalista Mário Emílio de Menezes, representante da ARI; também gostaria que se considerasse integrante desta Mesa o querido Frei Wilson Dall’Agnol, aqui representando a Ordem dos Capuchinhos; o Sr. Antonio Alberti, Diretor da Câmara de Comércio Italiana no Rio Grande do Sul, meu amigo pessoal; a Sra. Maria Antonieta Simão, representando a Secretaria Municipal de Educação; o Frei Achiles Chiappin, representante de Belém Novo; a Sra. Branca Tosque, representando o Centro Cultural de Veranópolis; a Sra. Nilza Huyer Ely, Coordenadora do Círculo de Estudo da História do Vale Três Forquilhas e, finalmente, mas não menos importante, o Sr. Carlo Bichieri, Presidente da Câmara de Comércio Italiana do RS.

Esse Processo, que teve uma tramitação tranqüila na Câmara, foi examinado pela comissão técnica pertinente – no caso, a Comissão de Educação, que é presidida pelo Ver. Jocelin Azambuja. Não contávamos com a presença do Ver. Jocelin Azambuja nesta tarde, pois ele integrava uma delegação da Câmara de Vereadores para representar o Legislativo de Porto Alegre em outra solenidade que ocorreria neste mesmo horário. Diligente, o Ver. Jocelin Azambuja se desincumbiu, em tempo hábil, da sua missão. Está aqui conosco e irá complementar o belíssimo pronunciamento do Ver. Antonio Hohlfeldt com a manifestação que faz em nome da Comissão de Educação da Câmara de Vereadores de Porto Alegre. O Ver. Jocelin Azambuja está com a palavra pelo PTB.

 

O SR. JOCELIN AZAMBUJA: Sr. Presidente, Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Nessa vida atribulada de parlamentares, muitas vezes não somos donos de todos os nossos momentos, o que nos obriga a estar em vários lugares ao mesmo tempo. Por sinal, agora estou em uma reunião aqui, na Casa, que trata de um seminário que desenvolveremos nos próximos dias 28 e 29, na Câmara de Vereadores, tratando de um problema gravíssimo que preocupa toda a comunidade de Porto Alegre e toda a comunidade brasileira, que é a questão das drogas. Um seminário que diz “sim à vida, não às drogas”, alertando a comunidade, escola e família. Estamos reunidos tratando justamente dos detalhes deste seminário que se desenvolverá durante toda a sexta-feira e sábado. Não poderíamos deixar de vir a esta tribuna, representando o Partido Trabalhista Brasileiro, em especial, a Comissão de Educação, Cultura e Esporte desta Casa, e homenagear o Frei Rovílio Costa, que é um baluarte das nossas letras, alguém que realmente tem contribuído sobremaneira como uma ilha no meio dessa devastação que é a educação no nosso País. Vivemos um dos momentos educacionais mais graves. Quando passou o currículo do Frei Rovílio Costa, de todo o seu trabalho, ficamos virando muitas páginas na Comissão de Educação para dar o parecer que aprovou, juntamente com as demais Comissões, a bela homenagem que, em um momento de inspiração, o Ver. Antonio Hohlfeldt propôs a esta Casa. Vimos um currículo maravilhoso, que realmente engrandece e enobrece o nosso Estado, Cidade e País. Só que, lamentavelmente, estes currículos estão quase em extinção neste País, porque a educação está cada vez mais relegada a um plano secundário. Isto é muito negativo e ruim, pois cada vez mais os mestres estão menos prestigiados e cada vez mais os grandes mestres abandonam o grande sacerdócio da educação. Isto faz com que todos nós reflitamos sobre este momento difícil por que passa o futuro das novas gerações. Felizmente, o Frei Rovílio Costa continua jovem, forte, com uma caminhada muito longa ainda para poder dar a toda esta juventude, que aí vem, trabalhos da envergadura dos que têm realizado até agora. Também nos orgulhamos, todos aqueles de descendência italiana. Eu venho de família de descendência italiana, Librelloto por parte de mãe, do norte da Itália. Hoje, graças a Deus, os italianos aqui em Porto Alegre já conseguiram, os do norte e os do sul, se apaziguarem, a Massolin di Fiori, a Sociedade Calabresa, a Sociedade Italiana, está todo mundo já vivendo em paz. Às vezes, o pessoal meio que se estremece, porque italiano tem estas manias todas, mas, nós, hoje, conseguimos conviver com mais harmonia, mais tranqüilidade, e todos conseguem se abraçar na busca do desenvolvimento deste País amado que é o Brasil, que nós escolhemos para viver, e aqui criar os nossos filhos.

Frei Rovílio Costa, nós só podemos lhe dizer: muito obrigado por tudo que tem feito e por tudo que fará ainda pelas letras, pela cultura, pela educação do nosso Estado. Nós precisamos muito do seu trabalho, precisamos que o senhor produza, cada vez mais, que continue a abraçar as letras da forma que tem feito até agora, que ensine tantos outros Antonio Hohlfeldt a editar livros, que ajude a tantos outros a fazer crescer o nosso mundo cultural. Esta juventude que aí está precisa, porque, lamentavelmente, a cada dia que passa o nível cultural da nossa juventude decai, e nós nos sentimos, cada vez mais, envergonhados. Quando pedimos para um jovem que concluiu o 2º grau escrever alguma coisa, dói no coração. Quando pedimos para um universitário escrever alguma coisa, dói no coração. O nosso português, quase que as pessoas já não sabem bem o que é. Isto tudo reflete na necessidade que temos, todos nós, de fazer com que a educação seja revitalizada. A educação em todos os níveis: na escola particular, na escola pública, nas universidades públicas, nas universidades particulares, para que nós possamos resgatar, de fato, um futuro para o nosso País, que não estamos sabendo construir. Precisamos de muitos Rovílio Costa espalhados por este Rio Grande e por este País; precisamos de muitos educadores qualificados; precisamos que estas sementes germinem, para que possamos dizer a esta geração que o Brasil tem futuro. Muito obrigado por toda a sua contribuição e continue nesta caminhada.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: A Mesa registra a presença da professora Vera Regina Pires de Morais, Pró-Reitora de Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em exercício.

O serviço de Relações Públicas da Câmara de Vereadores registra mais de cem mensagens oriundas de vários pontos do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Paraná. Todas elas de cumprimento ao Mestre Rovílio e também a V. Exa., que, com tanta felicidade, soube requerer e obter a concessão deste merecido prêmio ao homenageado. Entre essas comunicações eu citaria algumas, como por exemplo: do General de Brigada Édson Machado, Chefe do Estado Maior do Comando Militar do Sul, que não só cumprimenta o homenageado como também faz referências à representação do Comando neste ato; da Dra. Eunice Machado, Procuradora-Geral do Estado; do Sr. Francisco Zago, Presidente da Câmara Municipal de Veranópolis; também da Câmara de Veranópolis, do Ver. Décio Costa; da Sra. Helena Confortin, da Universidade Federal de Ijuí, Campus de Erexim; da Federação das Associações Italianas do Norte do Rio Grande do Sul, a FAINORT. Ainda, do Dep. Hélio Lino Rusch, da Assembléia Legislativa do Estado do Paraná. E mais: do Sr. Paulo Bernardes, de Florianópolis, SC; do Sr. Egídio Ferronato, da Universidade de Passo Fundo; de Vernes Runch, da Associação Italiana, que, juntamente com a Sra. Solange, são algumas de mais de uma centena de manifestações que registramos aqui na Casa, o que demonstra todo o júbilo da comunidade italiana, de todos aqueles que conheceram e conhecem o trabalho que o nosso homenageado com tanto destaque realiza.

Tenho a honra de convidar o Ver. Antonio Hohlfeldt para que entregue ao Frei Rovílio Costa o pergaminho pelo qual a Câmara Municipal de Porto Alegre, nos termos da Resolução 725, de 22.10.79, confere o Prêmio Literário “Érico Veríssimo” ao Frei Rovílio Costa, por sua valiosa contribuição para o enriquecimento das letras nacionais.

 

(É feita a entrega do prêmio pelo Ver. Antonio Hohlfeldt.) (Palmas.)

 

Gostaria que o nosso homenageado levasse consigo uma recordação da Câmara de Vereadores, que festejou os dez anos de permanência na sua nova Casa, propiciando a edição do livro “Porto Alegre à Beira do Rio e em Meu Coração”. Para que esteja no coração do nosso homenageado a nossa Cidade, eu tenho a satisfação de, em nome da Câmara Municipal, entregar-lhe o livro.

Eu quero registrar a presença do Dr. Adão Gregory, Presidente do Partido Social Liberal do Rio Grande do Sul, que se associa às nossas homenagens.

Ofereço a tribuna da Casa ao nosso Mestre Rovílio Costa.

 

O SR. ROVÍLIO COSTA: Sr. Presidente, eu queria trazer um volume de suma teológica, mas esqueci em casa. Quando eu entrei aqui, achei que não ia aparecer ninguém. Então, vim despreocupado. Depois, fiquei surpreso. Minha secretária disse: “não precisa convite para entrar?” Eu disse: “Não, isso é como enterro de pobre, eles até agradecem sua participação”.

Anteontem recebi um telefonema de Florianópolis. Esse Bernardi é um orientando meu e de uma menina que está escrevendo uma tese: “Princípios para a psicologia da fofoca”. Disse a ela que não tinha nada para orientá-la sobre isso. Perguntei em que ela se baseava. Disse-me: “Naquelas coisas que mexem com a identidade”. Entre as coisas que mexem com a identidade está o elogio. Diante de um elogio nós ficamos confusos; diante de uma crítica ficamos revoltados, quando deveríamos agradecer porque dá a oportunidade para a autocrítica. Os elogios, eu acredito, Antonio, que são exageradamente verdadeiros, porque, se nós começarmos pelo inverso, dizem que todas as coisas têm as duas faces. Daqueles autores que eu editei, de quem menos eu editei foi do Antonio, e ele está sendo o mais reconhecido. É apenas um primeiro livro, mas dizem que o começo também é importante. Se eu fosse saudar a cada um, saudaria apenas como amigo. Fosse saudar o Pujol, o Jocelin, o Antonio, como o Airto, que assinou a Portaria, estaria cumprimentando os criminosos desta Casa, que promoveram esta reunião. Se eu fosse saudar o Cel. Irani, também seria quase uma incoerência, porque ele me pode cumprimentar na igreja quando vai à missa. Também me sinto muito familiar, porque, numa oportunidade, alguém ameaçou de me processar devido a um artigo escrito sobre indígenas. Eu disse na ocasião: “Não há problema nenhum; eu sou capelão do Presídio mesmo”! Falaram do Bichieri, do Alberti, o Cônsul-Geral da Itália, que representa as duas pátrias. Tem o Secretário de Cultura com a Íris, tem o Nélson. Católicos e evangélicos, nós nos chamamos entre nós de hereges. Além dos hereges, estão aqui, também, duas crianças – já não são crianças – que eu batizei. Dá uma satisfação particular eles estarem presentes, assim como o Wilson, o Batistel, todos os confrades, sem falar no Secretário da Cultura, que está representando o Prefeito. Indo mais longe, a gente vai mais perto. O que eu fiz não fiz por mim e nem por minha capacidade, nem da Nina, nem do Prefeito de Carlos Barbosa. É quase minha parente, temos o mesmo nome, embora de procedências diferentes. Tem um tal de Antônio, que trabalha na minha casa; tem um tal de De Boni, que numa oportunidade, estando na Alemanha, mandou-me uma crítica das coisas que eu fazia, e que, depois, em vez de continuar criticando, se associou ao trabalho. Tem o Bonalumi, que, quando eu estava começando a escrever, ele me entusiasmou. Tem a Presidenta da Academia Maçônica de Letras, da qual eu publiquei algumas coisas. Assim, eu iria passando um por um, e não faz sentido. Nem vou falar do Puggina, porque a última recordação que nós tivemos não foi agradável, mas foi feliz, da mesma forma. Como vocês estão na pós-modernidade e eu estou na pré-esclerosidade, eu preparei um texto mais para poupar as taquígrafas, porque também elas podem escutar. É um texto bonito, interessante. Vou ler. São apenas 42 páginas. Eu acredito que rapidamente eu as leio. (Lê.)

 “PRÊMIO LITERÁRIO ÉRICO VERÍSSIMO – 25.06.1996

Ao ser perguntado pelo Ver. Antonio Hohlfeldt se aceitaria a indicação de meu nome ao Prêmio Litérário Érico Veríssimo, senti, inicialmente, certo espanto, diante do significado dessa distinção. Parecia-me que o trabalho editorial que realizo há 25 anos, razão principal desta homenagem, teria já concluído sua razão de ser. Mas, no pensar de Érico, que se define como eterno indagador, devia, antes, ter-me perguntado sobre as razões de existir deste mesmo trabalho.

Seja como for. Nesta homenagem, coloco-me como mediação, feliz de ser uma oportunidade a mais de reproposição da pessoa e obra de nosso pensador maior, Érico Veríssimo, sem esquecer a amizade desta Casa do Povo, que acolheu a proposição do Ver. Antonio Hohlfeldt, a compreensão da Família Veríssimo e o apoio de pessoas comprometidas com a vida e cultura do Rio Grande do Sul. Coloco-me como mediação, também, para homenagear, neste momento, os cem anos de presença dos Freis Capuchinhos no Rio Grande do Sul, e os mais de mil escritores e articulistas cujas produções tive a honra de publicar.

Não quero, porém, ser, mediação no sentido de alguém que figura como Pilatos no Credo. Esta distinção é um compromisso existencial, um desafio especial na minha vida, que poderia traduzir interpretando a filosofia subjacente que deu origem à trilogia de O tempo e o vento nestas palavras: Trabalhar, trabalhar, trabalhar para tornar a cultura sul-rio-grandense e brasileira base de excelência de felicidade humana, porque, no pensar do mestre Érico, “lutar por uma vida boa e feliz não é pecado”.

Renunciando a qualquer messianismo, sem ser omisso, sem deixar de assumir posições críticas, independente de ideologias, o Érico da Mafalda, de afeição especial à vida e cultura italianas, apaixonado trabalhador e eterno indagador da verdade, a meu ver, assemelhou-se a Giovanni Papini, que, na cegueira do corpo, mas na maior visão da mente, afirmava: “Trabalho como se fora eterno e vivo como se houvera de morrer a qualquer momento”.

Quem se diz o “eterno indagador da casa paterna”, na expressão de Hohlfeldt, não morreu; apenas nos deixou, entregando-nos o legado de obra portentosamente grande, que não se permitiu acabar, porque liberal, democrático, tolerante, ecumênico, buscando a verdade em relação ao mundo, a si mesmo e ao transcendente. Sem se arrogar a última palavra, sem a presunção de dono da verdade, Érico deixa memórias inacabadas, dando oportunidade de fazermos sua memória, ao buscar em suas obras as bases de nossa história e cultura.

Solo de clarineta tornou-se, assim, a memória de quem partiu deixando em nossas mãos um instrumento para caminharmos com segurança nas sendas de nossa história, cuja identidade está assegurada, mesmo no mundo planetário e nivelador da pós-modernidade. Érico lançou as bases desta identidade única e singular, na qual o universo de raças, etnias e culturas se integra harmoniosamente no monolítico edifício da cultura sul-rio-grandense e brasileira.

O solo que Érico não terminou de cantar transformou-se em coral, em que cantamos todos nós, que constituímos o universo de leitores, tradutores, analistas e críticos de sua obra – base maior de nossa história, cultura e cidadania.

Falar de si e dos próprios feitos, o que Érico nunca fez, pode ser uma arte, desde que se consiga fazê-lo respeitando o si mesmo do interlocutor, não confundindo a aproximação de pessoas pelo diálogo com a distância criada pelo monólogo pedante.

Tentei, de todas as formas, fugir à ordem de Hohlfeldt, que me colocou a par de uma das exigências deste prêmio, que é falar das razões de meu próprio trabalho. Como racionais, pensamos sempre que tudo o que fazemos tem razão de ser. Como racionais, somos um devir permanente, absolutos só no inacabado. Temos, pois, razão de não entender a coerência das razões da nossa própria razão.

Na escola, nunca gostei de história. De historiadores, ainda menos. Teria gostado de fósseis, mas não de história fossilizada. Iniciei a atividade de professor em Ipê (1962). Todos os fins de tarde ia despachar e buscar correspondência no posto dos Correios. De batina, como era costume na época, passava ao lado do Clube Ideal, o único da vila. Invariavelmente meu olhar esgueirava-se a um grupo de jogadores de cartas, que logo se tornavam jogadores de pinga. Sempre com vontade de entrar e ouvir suas intérminas conversas, no curso de dias, semanas e anos. Velhas e novas conversas.

Um dia entrei. Ouvi. Encantei-me. Comecei a gostar de história. Mas era tarde. Já formado. Meu débito para com a história estava sacramentado. Voltando para casa, peguei um livro didático de História do Brasil. Comecei a ler, com muito esforço. Chegando ao tema Governo Geral, não agüentei mais, abandonei a leitura, que não mais retomei.

No Clube eu encontrara uma história real e realista. Viva, situada, rica, conjugando o ontem e o hoje. Essa história, sim, servia em minhas atividades pastorais, não aquela, fechada, fria, postada no ataúde do livro didático.

Era 1964, passei a participar desse clube de jogadores de cartas, para ouvir e entender suas histórias de vida. Para não parecer diferente, e por gostar, sempre também tomava uma pinga. Com finalidade justificada, é claro, de iluminar as idéias. Voltando para casa, escrevia tais histórias, uma a uma. Ao retornar ao Clube, completava informações. Meses passaram, e 23 longas histórias de vida eu havia escrito. Lidas e aprovadas pelos protagonistas, enriquecidas com fotografias, enviei-as a um jornal. Cópia única. Um ano depois, o diretor me comunicou que não seriam publicadas. Pedi devolução. E a resposta fatídica: “foram extraviadas”.

Fiquei sem essa história, mestra de vida. Abandonei o tema em favor da elaboração de um dicionário de raízes gregas da língua portuguesa, concluído em 1968, quando os superiores resolveram trocar minhas raízes gregas pela direção da Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, em Porto Alegre. E as histórias de vida sempre mais longe da mente, não, porém, do coração. Dizer que a história do livro didático que começara a ler e a história de vida são diferentes equivale dizer que também a teologia do livro e a teologia do povo são diferentes.

Mas ... dizem que todo o homem é religioso. Um dia me perguntei: “Será que o apenado também o é?” Feita a pergunta, sem ordem nem beneplácito de quem quer que seja, vencendo as barreiras de leis penitenciárias, tornei-me, com outros confrades, o Grupo dos utópicos da Penitenciária Estadual do Jacuí, como éramos conhecidos. Utópicos por acreditarmos na bondade, capacidade e possibilidades de recuperação de condenados pela justiça humana.

Até 1975, o convento passou a ser o presídio que também levei à Universidade, escrevendo a tese de mestrado sobre Delinqüência em Porto Alegre (1976).

Nessa época, paralisado algum tempo pelo corpo; aturdido, mas não paralisado no espírito, confundia a dor, examinando um original de metafísica para a Editora Sulina; lia também um original, que permanece inédito, intitulado O prisioneiro da cela 7, escrito por um apenado. Como lazer e por prazer, lia O resto é silêncio, de Érico Veríssimo.

“No final de O resto é silêncio, diz Gonzaga (1993, p.223), o escritor Tônio Santiago, alter-ego do romancista, imagina um texto que, certamente, seria a base de O tempo e o vento.

‘No princípio eram as coxilhas e planícies desoladas, por onde os índios vagueavam nas suas guerras e lidas. Depois tinham vindo os primeiros missionários; mais tarde, os bandeirantes e muitos anos depois os açorianos. Sob o calor do céu do Sul, processara-se a mistura de raças, travaram-se lutas. Fundaram-se estâncias e aldeamentos. Ergueram-se igrejas. Surgiram os primeiros mártires, os primeiros heróis, os primeiros santos ...’”

Estas palavras fizeram-me recordar os índios do Toldo de Cacique Doble, que visitara algumas vezes; a história do Brasil que deixara de ler; as histórias de vida, incineradas por desavisado jornalista. Falar, então, do trabalho que realizo, não é autolouvação, mas dever de justiça, porque me dei conta de seu valor através da obra do mestre Érico, a quem expresso meu profundo reconhecimento neste momento feliz, que juntos estamos vivendo.

Se no princípio eram as coxilhas, os índios, os missionários, os bandeirantes, os açorianos, as múltiplas etnias, onde estão seus vestígios? suas falas? seus testemunhos? suas contribuições culturais?

O tempo não os distanciou tanto, a ponto de sua vida e história ficarem ausentes da realidade atual. Suas palavras eram audíveis nas gerações que se sucederam e nas tradições que desencadearam. Não havia por que temer, pois “a morte foi vencida pela vida da ressurreição”.

Antes de tudo eles, os mais velhos, os índios. O livro Os índios da Aldeia dos Anjos (1990), por exemplo, não é sua fala, mas é o momento em que foram sepultados no silêncio. “Dois mil e quinhentos índios, diz Aurélio Porto (em Alvares, 1990, p.7), foram rebatizados, recebendo nomes portugueses e passando a confundir-se com nomes de famílias existentes no Continente”. A reconstituição deste documento possibilita a muitos milhares de porto-alegrenses e gaúchos chegarem à raiz de sua identidade racial.

Sirva este documento, reconstituído, como exemplo de que a história pode deixar de ser uma relação de fatos isolados, ou de curiosidades flutuantes, no curso de séculos de quotidianos e histórias de vida, para ser reanimação da realidade, pois o sopro de vida de gerações que se sucederam continua como tempo e vento.

Segundino Schmitz, analfabeto, mas que aprendeu a ler o livro da natureza e as propriedades de plantas e ervas medicinais de nossas campanhas e coxilhas, graças ao gravador continua falando, em Cura pelo chá (1983) e, hoje, seus filhos e outros ervateiros exercem ainda a medicina caseira, segundo princípios empíricos da sabedoria popular.

Versos de um peão de fazenda (1980), de Antônio Alves dos Santos semi-alfabetizado, desapropriado de seus bens por astúcia jurídica, graças ao gravador tornou-se escritor. Viveu seus últimos anos dedilhando sanfona e vendendo seus versos como poeta, filósofo, antropólogo e historiador da vida de peão de campanha, como bem analisou Antonio Hohlfeldt no Correio do Povo (1980).

Assim vivem os italianos (1982) é a expressão livre de uma experiência de vida de imigrantes italianos aqui radicados, contando seu contato com a natureza, o estabelecimento em glebas até a organização familiar, a educação, a religião, a participação social e política.

Érico, especialmente em O tempo e o vento, forneceu bases e abriu caminhos à reconstituição da história participativa, acenando à necessidade de isenção na reelaboração ideológica de fatos, formas e filosofias de vida.

A cultura é um todo, englobando o total modo de ser, de fazer e de pensar de um povo, e não fragmentos desta realidade. Érico explicitou a riqueza de nossa realidade cultural, valorizando toda a experiência originária ou fontal de nossa cultura. Por isso, à sua inspiração, nestes 25 anos de atividade editorial, nos sentimos gratificados em ter podido colocar, entre os 1400 títulos editados, Cura pelo chá, Versos de um peão de fazenda, Os índios da Aldeia dos Anjos, Assim vivem os italianos, ao lado da Suma teológica, a obra máxima do pensador medieval Tomás de Aquino, ainda base dos estudos filosófico-teológicos.

A campanha, a coxilha, o índio, o missionário, o bandeirante, o açoriano, o imigrante continuam falando e comunicando sua experiência, porque, um dia, o bancário, o farmacêutico, o escritor lançou este desafio. A semente lançada à terra, diz a Escritura, “precisa morrer para produzir muito fruto”.

Obrigado, Érico, pela semente lançada à terra; obrigado, Antonio, Isaac, integrantes desta mesa e amigos aqui presentes, renovadores da paixão que dedico àquilo que Deus me deu realizar”.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Ao encerrar esta solenidade, que teve o seu fecho de ouro com o pronunciamento do Mestre Rovílio Costa, eu gostaria de acentuar a nossa satisfação de termos tido o privilégio de dirigir esta Sessão Solene, que contou com a presença de tão significativas figuras da vida sócio-cultural não só de Porto Alegre com do Rio Grande do Sul.

Agradeço as presenças do Cônsul-Geral da Itália, Giovani Maroco; do Presidente do Conselho Estadual de Educação e Representante da PUC, Irmão Elvio Clemente; do Dr. Luís Augusto Fischer, representante do Sr. Prefeito Municipal; do Sr. Itálico José Marcon, da Academia Rio-Grandense de Letras; do Coronel Irani Siqueira, do Comando Militar do Sul. Não posso deixar de referir o ex-Prefeito de Carlos Barbosa, Sr. Armando.

Agradecemos a presença de todos e, mais uma vez, enfatizamos a grande sensibilidade do nosso companheiro de jornada, Ver. Antonio Hohlfeldt, que com sua pena feliz se houve bem ao requerer a concessão deste prêmio tão justamente entregue ao homenageado, esta pessoa culta que une à sua cultura essa modéstia que o faz tão íntimo de todos nós. E agradecemos a Deus, por nos ter permitido estar juntos, e cumprimentamos enfaticamente o Prof. Rovílio Costa.

Estão encerrados os trabalhos.

 

(Encerra-se a Sessão às 18h33min.)

 

* * * * *